
“Aprecie
a terrível ira da Natureza!” – Nakoruru, em Samurai Spirits 3.
Muitos dos nossos leitores são apaixonados pelo Japão. Garanto que,
de 100%, 111% dos nossos leitores gostariam de ter contato com esse
país, não é verdade? Muitos procuram estudar o idioma japonês,
aprendem a comer com os hashis, praticam artes marciais,
assistem tokusatsus, doramas e animes, jogam games, procuram saber as
novidades da tecnologia e entre outras coisas.
Mas, já pararam para
pensar como foi a gênesis do povo japonês? Bem, é disso que eu vou
lhes falar. Eu resolvi escrever sobre um povo cuja cultura está em
extinção. Mas que o governo Japonês está lutando bravamente para
que ela seja preservada. Estamos falando dos primeiros habitantes do
Japão. Estamos falando do povo Ainu.
Se vocês acham que o povo japonês é uma raça milenar, eu lhes garanto: o povo Ainu é mais que o próprio japonês. Acredita-se que os descendentes Ainus mais antigos chegaram às ilhas do arquipélago japonês no século IV A.C. Acredita-se também que os ainus vieram da região do Cáucaso, por diferirem do restante japonês.
As
características físicas dos Ainus puros são destacadas por fartura
de pêlos no corpo, pele branca e olhos grandes e amendoados (padrões
típicos do povo ocidental). Os Ainus são considerados a raça MAIS
peluda do mundo. Homens ostentam pomposas barbas e fartura de pêlos
no peito. As mulheres, depois de certa idade, “tatuam” bigodes ao
redor da boca, para simular a barba masculina.
Uma das características do povo Ainu é o fato de as mulheres irem
para o combate e homens ficarem em casa, exercendo a função de
sacerdotes e chefes de família. Os homens se preocupam com o
sustento do lar. Eles são dedicados à caça e a pesca, além da
agricultura, recheada de cereais e grãos. Mas, as atividades de
proteger a aldeia cabiam as mulheres.
O idioma Ainu tem algumas palavras que lembram o idioma japonês.
Aliás, vale salientar que existem algumas cidades do Norte e
Nordeste do Japão com nomes Ainus. Algumas das palavras em Ainu
apresentam uma grande semelhança com o japonês. Kamui tem
uma sonoridade semelhante com o termo japonês Kami, que quer
dizer “Deus, deuses” para ambos. Atualmente, existem muito poucos
falantes de Ainu.
No entanto, os três mais divulgados dialetos
permaneceram isolados em Hokkaido, Sakalina e Kurilas e a relação
entre o idioma ainu e outras línguas não se estabeleceu. A sua
estrutura fonética tem muito de comum com as línguas do Norte da
Ásia, mas, em outros aspectos gramaticais, assemelha-se com as do
sudeste asiático e com as da Oceania.
A religião Ainu é monoteísta. Cultura herdada da região do
Cáucaso. Eles acreditam num Deus Uno e Supremo, Criador do Universo
e da Natureza, no qual eles o chamam de Kamui. Segundo o povo Ainu,
Kamui está presente em cada elemento da Natureza (Fogo, Vento, Água,
Terra, Som, Flora, Fauna, Eletricidade e Luz) e que animais e plantas
são servos guiados por Kamui para zelar pelo povo.
São quatro
animais sagrados da religião Ainu, no caso, o Salmão, o Lobo, o
Falcão e, principalmente, o Urso. O clímax da adoração Ainu é o
festival do Urso, que ocorre em meados do Outono, onde eles
sacrificam um urso e se alimentam da sua carne, acreditando que,
assim, o espírito do Urso leve as orações e os pedidos de proteção
nesse rigoroso inverno de Hokkaido para Kamui.
Os homens e mulheres usam como adorno uma fita na cabeça e vestem
casacos compridos de algodão ou attush (um pano tecido com fibras
de casca de ulmeiro), decorados com aplicações de algodão com
figuras geométricas e assimétricas. As casas ainus eram
retangulares, construídas com estacas, com paredes e tetos em
escada, de miscanthus ou de bambus. A zona da casa virada para o
ocidente possuía uma única janela, conhecida como Janela do
Espírito. No interior, existia ao centro, o lar, um altar e uma
plataforma com as relíquias.
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Descendente Ainu tocando instrumento musical típico (usado no Japão até hoje)
Descendente Ainu tocando instrumento musical típico (usado no Japão até hoje)
Antigamente, os Ainus ocupavam praticamente 91% do território
japonês. Com a invasão de guerreiros do continente, os Ainus foram
expulsos para o Norte. Alguns arqueólogos argumentaram que o Jomon
inferior no Nordeste do Japão foi um período de cultura Ainu, mas o
papel desta cultura durante o Jomon Médio Inferior e o Jomon
Inferior está longe de ser claro. Nos séculos seguintes, os Ainus
foram conduzidos para o Norte pela expansão das várias tribos de
diferentes raças em Honshu.
A sua cultura sobreviveu até o século
XXI, mas tem sofrido grande pressão das correntes imigrantes de
Honshu no século passado e está sendo absorvida rapidamente. Hoje
em dia, os Ainus vivem na Ilha de Hokkaido, Sakalinas e Kurilas e sua
população de Ainus PUROS está estimada em aproximadamente 24.000
habitantes. A maior concentração de Ainus no planeta está na
cidade japonesa de Shiraoi, na Ilha de Hokkaido, Japão.
Nela também
se encontra o Museu dedicado a Cultura do Povo Ainu e várias
aldeias. Visto que a cultura Ainu está em extinção, devido à
mistura de raças (Ainus com Japoneses), foi necessário criar esse
museu para preservar a história desse povo.
Muitas lendas surgiram entre o povo ainu. Uma delas se encontra numa
montanha na cidade de Noboribetsu, que os ainus a temem como a um
demônio. Essa montanha (um vulcão extinto), chamada de Rupushi, foi
motivo de temor entre os ainus, pois parece que ela já causou muitas
destruições em erupções passadas.
Vale salientar que a lenda de
Rupushi serviu de inspiração para uma montanha no longa de animação
Kamui no Ken, de Rin Taro, lançada no
ano de 1985. Outra lenda ainu muito interessante está na lenda de
uma cidade-fantasma chamada Kamui Kotan (anos mais tarde, Kamui Kotan
deu nome ao vilarejo onde a personagem Nakoruru da série de games
Samurai Spirits vivia).
Diz a lenda que Kamui Kotan foi um vilarejo
Ainu, cujo habitantes foram massacrados por japoneses que queriam
tomar posse de tal terra. Diz a lenda que os espíritos dos Ainus
mortos nesse genocídio não permite ninguém entrar nessa vilarejo.
A mitologia Ainu é pouco conhecida até mesmo pelos próprios
japoneses.
Vimos até aqui, um pouco da história do povo ainu. Mas, como os
japoneses resolveram preservar a cultura desse povo em suas
produções? Vejamos dois exemplos clássicos de produções
japonesas que homenagearam os ainus: Kamui no Ken e Samurai Spirits.
Meu anime favorito é muito desconhecido. Estou
falando de um anime do ano de 1985 chamado Kamui no Ken. É uma
produção dos Estúdios Madhouse, criado por Yano Tetsuo e dirigido
por Rin Taro. Kamui no Ken é um longa de 140 minutos com uma
história 100% adulta (não tem nada de humor e piadas visuais).
É
um longa com censura de 18 anos (não por se tratar de pornografia,
embora o erotismo apareça, não de forma vulgar, mas de forma
poética e natural), mas, por causa da trama madura e pela violência
em abundância. Nesse longa, vamos encontrar assassinatos em massa,
traição, suicídios de crianças, mulheres e velhos sendo
assassinados, extermínio de animais, enfim, algo bem pesado, mas,
essa violência toda é mostrada de forma meio que poética. A
temática é forte, mas, encontro um certo glamour nisso tudo.
A história de Kamui no Ken é a seguinte: A história se passa
no período Bakumatsu, no Japão. Onde um jovem Ainu, chamado Jiro, é
encontrado e gentilmente criado por uma moradora da aldeia Sai na
Península de Shimokita. A historia revive os últimos anos do
Shogunato Tokugawa, muitos anos antes do início da Restauração
Meiji. Jiro encontra sua mãe e sua irmã assassinada em sua casa.
Falsamente acusado do crime, ele foge da sua aldeia e encontra um
sacerdote chamado Tenkai, que mata um ninja chamado Tarouza.
Depois
de cumprir essa tarefa, Jiro passa por treinamento para se tornar um
assassino. Muitos anos depois, Jiro descobre que ele era órfão e
seu verdadeiro pai era Tarouza, que havia trabalhado para Tenkai até
que ele abortou a sua missão quando ele se apaixonou por uma mulher
Ainu.
O ninja jovem descobre que o Shogunato foi usado como fachada
para recuperar o tesouro perdido do Capitão Kidd e usá-lo para mais
uma vez isolar o Japão do resto do mundo. Usando as pistas que
Tarouza tinha mantido em segredo, Jiro - junto com a ninja Oyuki e um
escravo chamado Sam - viajam à América para procurar o tesouro na
esperança de usá-lo para se vingar do Tenkai.
Então, essa é a conclusão que fez com que eu me apaixonasse
por essa produção. Por se tratar de uma animação de 1985, não
esperem um bom trato visual na parte estética, mas, mesmo assim, é
uma animação bonita, que te faz viajar para o Japão Feudal. A
trilha sonora, principalmente as duas canções temas, é triste. muito triste! Tanto nas letras como nas melodias. Mas, servem para
nos embalar na aventura de Jiro. Os personagens são bons e
carismáticos. Nada do tipo caricato. Ou seja, algo bem maduro.

Enfim, se vocês nunca ouviram falar de Kamui no Ken, agora vocês
conhecem. É uma animação que vale e muito a pena ser assistido.
NAKORURU
E RIMURURU: AS AINUS MAIS FAMOSAS DO JAPÃO!
Em 1993, a empresa de videogames SNK – Neo Geo lança um game
chamado Samurai Spirits (Samurai Shodown no Ocidente). Nele,
encontramos 13 personagens (contando com o boss) entre japoneses e
estrangeiros. E, entre esses 13 personagens, encontramos uma menina
de longos cabelos negros e fitas vermelhas no cabelo, lutando com um
falcão chamado Mamahaha. Essa personagem era a Nakoruru. Ela é uma
personagem Ainu.
No primeiro jogo, Nakoruru é uma guerreira sagrada que se une aos
outros para destruir o yokai feminino Ankokushi Amburojia, que
possuiu o corpo de Amakusa, que quer destruir a Natureza dessa Terra.
Ela se tornou guerreira depois que o pai dela morreu. Ela herda a
função de sacerdotisa e protetora da Natureza em Kamui Kotan. Como
ela se tornou uma guerreira sagrada, ela consegue se comunicar com os
animais e tem o poder sobre o vento. Depois que Amburojia é
derrotada, os guerreiros sagrados são abençoados por Amaterasu e
Nakoruru volta para Kamui Kotan junto com os animais. Chegando lá,
ela é recepcionada pelos avós e pelos animais.
No segundo jogo, um ano depois, Nakoruru volta a enfrentar a
yokai Ankokushi Amburojia, que, dessa vez, possuiu o corpo da
sacerdotisa Mizuki Rashoujin. Depois de uma luta árdua, Nakoruru
derrota Mizuki. Após ela selar Amburojia, Nakoruru percebe que a
Natureza no mundo todo ainda está em perigo. Ela reza para Kamui
para que Ele a leve para proteger a Natureza. Assim, após selar
Amburojia, Nakoruru ganha status de “deusa”, na verdade, o
espírito protetor da Natureza.

Do céu, ela avisa as suas irmãs e
avós para não ficarem tristes por ela, que ela estava bem e que a
função dela era proteger o meio ambiente. E que eles deveriam lutar
para proteger a Natureza. E daí, surge mais uma guerreira ainu para
a série Samurai Spirits: Rimururu, a irmã de Nakoruru.
Em Samurai Spirits 3, um ano após a batalha contra Rashoujin, o
yokai Zankurou surge. Nakoruru desce dos céus para lutar contra ele
junto com outros guerreiros. Só que, quem derrota Zankurou é o
menino Shizumaru, filho de Zankurou, que prende o próprio pai num
selo. Nakoruru volta aos céus para proteger a Natureza. Rimururu
continua na jornada de se tornar uma guerreira valorosa como a irmã.
Sobre Samurai Spirits 3, uma curiosidade adicional. Rimururu e
Nakoruru se tornam símbolos da luta do governo em preservação da
cultura ainu. No mesmo ano de 1995, é aberto na cidade de Shiraoi,
em Hokkaido, Japão, o Museu de História Natural da Cultura Ainu.
Nele são expostos objetos, roupas, espadas, esculturas, fotos,
estátuas entre outras coisas que representam a cultura Ainu.

Tudo
graças à influência e a popularidade das personagens Nakoruru e
Rimururu, que caíram no gosto do povo Japonês. Nakoruru conseguiu
ser mais popular que Mai Shiranui, nas séries de jogos da SNK- Neo
Geo. A roupa que ela usa em Samurai Spirits 3 é um dos mais
utilizados em cosplays no Japão.
Nos jogos Samurai Spirits 3 e 4, Nakoruru e Rimururu NÃO podem
ser cortadas ao meio e nem sofrer os “fatalities” de outros
personagens. Isso foi de acordo com o carisma dos japoneses pelas
duas personagens. Na verdade, as duas são as queridinhas da SNK.
Nakoruru está em presente em TODOS os jogos da franquia Samurai
Spirits, inclusive nos games da fase SNK – Playmore. Uma
curiosidade adicional.
A SNK possui duas fases: a fase SNK – Neo
Geo e a fase SNK – Playmore. Vale salientar que, quando a SNK
deixou de ser Neo Geo após a falência da mesma, a Playmore adquiriu
as ações e houve umas modificações nos roteiros dos principais
jogos, para uma melhor adaptação. As histórias que vocês vêem na
internet sobre história dos personagens, dos jogos, são da fase
Playmore. Por isso, vocês vão ver em alguns blogs, sites e vídeos
que a ordem da cronologia dos games da franquia Samurai Spirits estão
mudadas.

Segunda a cronologia da fase Playmore, dos 7 jogos 2-D da
franquia (Samurai Spirits 1, 2, 3, 4, 5, 5-Special e 6), a ordem
ficaria assim: 1, 3, 4, 5, 5-Special, 6 e 2, sendo que os 4 jogos da
fase Neo Geo (1, 2, 3 e 4) seguem a cronologia em ordem correta. Mas,
para entender um pouco de maneira mais fácil o passado e o histórico
de Nakoruru e Rimururu, estou me guiando pela fase Neo Geo da SNK,
que é MUITO mais fácil e mais prático de se entender.
Nakoruru é tão popular entre os japoneses que foi a ÚNICA
personagem da SNK a ganhar uma animação própria. No caso, é a
animação Nakoruru: Ano Hito Kara no Okurimono, que veio do game de
Dreamcast de mesmo nome. Nesse longa, conhecemos um pouco da infância
de Nakoruru com sua irmã e sua amiga de infância Manari (que muitos
acreditam que sejam uma irmã dela de pai diferente).
Nessa animação,
conhecemos também um lado perverso de Nakoruru: Rera. Na verdade,
Rera (que quer dizer Vento no idioma Ainu), sempre apareceu desde os
jogos da fase Neo Geo de Samurai Spirits. Se vocês escolherem a
Nakoruru com a segunda cor alternativa (em Samurai 3 e 4, as versões
Bust ou Ashura no original japonês), verão que Nakoruru ganha um
rosto cruel e maldoso. Rera só ganha forma em Samurai 5 pra frente.

A origem de Rera é de que, como Nakoruru é uma garota que prefere
apelar para situações pacíficas para resolver as coisas, Rera, na
verdade, é o lado cruel de Nakoruru, onde ela acredita que precisa
matar para proteger a Natureza, indo em choque com o que Nakoruru
REALMENTE acredita. Rera pode controlar os animais e o vento também.
Ela luta em companhia da loba Shikuroh, que tinha sido encontrada por
Rimururu quando filhote (uma curiosidade, Shikuroh é o nome do lobo
branco que acompanha Jiro na animação Kamui no Ken...). Enquanto
Nakoruru luta com Mamahaha, Rera luta com Shikuroh.
Nos OVAs Samurai Spirits 2: Asura Zanmaden, apesar de terem
outros personagens da franquia Samurai Spirits, o foco está
centralizado no drama e nos conflitos em Nakoruru e Rera. Em suma, a
história desses OVAs está centralizado em Nakoruru e seu lado
perverso. Nakoruru também foi mascote de um programa de ação
social criado pela SNK na década passada.
COMO
VAI SER O FUTURO DO POVO AINU?
Bem, essa pergunta o Pato aqui não pode
responder. Apesar da popularidade de personagens Ainus, da luta do
governo em preservar os vestígios dessa cultura, tudo vai depender
do próprio povo ainu. Para fugir de momentos de crises, os Ainus
estão se casando com japoneses e outros estrangeiros e misturando-se
com esses povos.
O crescente número de áreas agrícolas e pastos em
Hokkaido (visto que a ilha de Hokkaido é a região mais agrícola de
todo o país) têm diminuindo o espaço dos Ainus para caçar e
plantar. Programas de socialização entre os japoneses e os ainus
estão sendo criados com o intuito de preservar a cultura que, de uma
forma, foi a gênesis de toda uma nação a qual todos nós
admiramos.

Um dos meus maiores tesouros foi uma estatueta esculpida
em madeira de um urso que ganhei de um senhor amigo meu, ainu, que
veio pro Brasil com a esposa (japonesa) para o Brasil. Inclusive,
lhes mostro a foto. A cultura Ainu está em extinção, mas, pelo
menos ficamos felizes em saber que a nossa revista eletrônica, o
Tokufriends, abriu espaço e serviu para lhes mostrar um pouco da
Cultura Ainu. Então, vida longa aos Ainus!
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